Editorial

“None are so hopelessly enslaved as those who falsely believe they are free.*”
~Johann Wolfgang von Goethe

* "Ninguém é tão irremediavelmente escravizado
como aqueles que falsamente acreditam que são livres."
Julho TUDA ~ TUDA Julho!

TUDA é apolítica mas não tem sangue de barata! E para não cair na armadilha kafkiana, também vai protestar! É tanta banalidade junta - do mal, da violência, da imoralidade - que nem dá mais pra identificar em qual nos encaixamos!

Manifestações no Brasil: 20 centavos ou 7,5 bilhões? Tem gente que nem sabe sobre o quê protesta! Aqui em Dublin, graças à mídia, sabíamos! Tanto que criamos faixas com os dizeres "Desculpem-nos pelo transtorno, mas estamos construindo um Brasil melhor."!!!!! (cinco exclamações é muito, muito espanto!). Elas deveriam dizer Desculpem-nos pela inconveniência de fazer esta bagunça em suas ruas, devido a um problema histórico e cultural que não só nossos políticos, mas todo nosso povo tem, de corrupção! Somos todos corruptos, desde os políticos que mal administram o país, estados e cidades, clubes, agremiações de caridade, diretório acadêmico, clube do livro... o escambau todo, até o nosso famoso "jeitinho brasileiro" que nada mais é do que um tipo de corrupção igualmente repugnante, embora muitos não achem! Desculpem-nos por ousarmos trazer problemas lá do nosso país até aqui, em suas ruas, para que todos vocês, que nada têm a ver com isso, possam ver e, quem sabe, sentir pena... pois é isso mesmo que queremos, a compaixão dos países desenvolvidos e educados, que não conseguem ao menos conceber alguém morrer de fome, ou ser morto por causa de um celular!

E numa mistura de desorientação cultural, ideológica e geográfica, vestem a máscaras da vingança e queimam bandeiras americanas - para quê, exatamente? Quer atacar os americanos? Não coma MacDonald nem tome Coca-Cola! Se boicotassem a Copa, se nenhum brasileiro fosse a um único jogo da Copa, se não liguassem TV nem rádio para nenhum jogo desta Copa, se não comprassem jornal ou revista que mencionassem uma só matéria sobre esta Copa, se não comentassem nada sobre esta Copa, se não aceitassem os feriados decretados em dias de jogos do Brasil, se não comemorassem, se todos trabalhassem pra valer durante esta Copa, e depois, se ninguém jamais frequentasse os estádios feitos ou reformados para esta Copa... talvez assim seríamos levados a sério!

Com os já conhecidos pyndahýbicos, destimundo e d'outros além, revolucionários de causas verdadeiras, protestantes acertivos e conscientes, vem TUDA, patriota da redinha, desta www desatinada, pregando o orgulho das tolerâncias, das diversidades, das convivências e dos protestos pensados e acertivos! Desnecessário dizer, como sempre, que TUDA traz muita coisa boa, e novidades também! Confiram na Dívida Interna.

QG da TUDA Julho
É isso aí companheiros, na velha e suja LabUTA do dia a dia, que ainda achamos ser conduzida sob nosso próprio juízo e razão, apesar de todas as banalidades impostas e tantas outras assumidas, só nos resta sermos sinceros, que isso já é muito..

Bom espetáculo!

Asyno Eduardo Miranda
o (auto-proclamado) editor
deste porto amtesseguro da jlha do Eire
oje, dezºqvjm
º dia do septº mez
d este Anno Domini de MMXIII

Dívida Interna

Breaking out my cage ~ by Crayolajustgotbetter
Editor
Eduardo Miranda

Capa
José Geraldo de Barros Martins

Blogagem
Eduardo Miranda

Revisão
dos autores

Participam desta edição:
Adam Neate, Andrew Bowers, Aristides Klafke, Arnaldo Xavier, Bobbie Burgers, Camila Alencar, Celso de Alencar, Cesar Cruz, Crayolajustgotbetter, David Gilmour, Dorival Fontana, Eduardo Miranda, Edward Burne-Jones, Eliana Lúcio, Eugene Ivanov, Ferreira Gullar, Giuseppe Arcimboldo, José Geraldo de Barros Martins, José Miranda Filho, Kazuya Akimoto, Marcos Rey, Marina Alexiou, monstror, Orlando Teruz, Pedro Du Bois, Plínio de Aguiar, Roger Waters, Roniwalter Jatobá, Santiago de Novais, Scott Fraser, Tara Chklovski e The Yes Men.

E-mail
tuda.papel.eletronico@gmail.com

Poesia - Arnaldo Xavier

Femme Arbre, by monstror
subsenhor              Ao lado uma árvore       procura entre suas folhas
um endereço           Enquanto a sombra decepcionada               retorna
da luz
[ in Lud-Lud, Casa Pyndahýba Editora, São Paulo, 1998 ]

Poesia - Aristides Klafke

Pineapple Imposter ~ Scott Fraser
63

Abacaxi melhor que abracadabra
Cabe direitinho
Luva de luxo
No final de nosso caso

Descascada, palavra ideal
Para ilustrar nossa relação
De escritor e leitor
Sem acidez – nua – sem rancor

Termina aqui o nosso caso
Abacaxi, não abracadabra
É a palabra que ofereço
Amarelinha para você

Desfrute dela, meu estimado
Desfrute da fruta bela
Do inefável, do selvagem
Do picante que energiza

Faça dela abacaxibirra
Chave que abre o corpo
Para que a poesia entre e saia
Provocando prazer

[ in Quebrada, inédito ]

Poesia - Plínio de Aguiar

Trojan Horse, Giuseppe Arcimboldo
Presente de grego

Obrigado, mas vida
não é fruto, flor, soluço,
adversativa?

Seja no átomo,
no prato, no dia,
quequervida?

Obrigado, mas vida
é vida mesmo?
CavalodeTróia?

Quantos vezes sentou,
comeu fumou andou bebeu fodeu
olhou sorriu e um amigo:

- É comigo?

Vida desdenha quem
num momento?
Se dá, se empresta, se vende?
Cabe
no terraço calvo
do prédioàfrente?

Poesia - Santiago de Novais

foto enviada pelo autor
ovo do povo

meu cartaz reluz
o #gigante acordou
e foi dormir povo
o óbvio ou chamada bastilha de novo
há sempre sangue e obus
cuidado com seu berço
ninguém pagaria seu preço
te deixaria dormir na lama
vinte centavos por seu pesadelo de liberdade confundido com sonho de liberdade
dorme mas vigia
senão um a gente te põe o escorpião na cama
protestar é acordar para dormir o ovo do povo dormido

Poesia - Dorival Fontana

Smoking ~ Adam Neate
Maré

Gosto do mar.
O gosto do mar.
A areia, o sol,
a brisa, o sal.
Partículas brilham
infinitos oceanos.
O vento sopra
jangada ao horizonte.
A prancha surfa.
A pipa leva um sonho.
O menino chuta a bola.
O sorveteiro passa.
O biquíni passa.
O mundo passa.
Eu aqui na praia,
quase afogado
de tanto tédio.

Poesia - Pedro Du Bois

Testemunho

Sou testemunha circunstancial:
não guardo mágoas
não transbordo
viajo em barco atracado
no cais da eternidade
(traduzo: espaço perdido
no tempo confundido em lastro).

Avisto a terra conhecida e do alto
do mastro aviso aos navegantes:
terra entrevista
               terra até a vista.

(Pedro Du Bois, inédito)

Poesia - Marina Alexiou

Ilustração enviada pela autora
Love Among the Ruins, 1894 ~ Edward Burne-Jones

Estivemos por aqui eu e você.
Conquistamos nossos passos entre as alamedas, e usufruímos
da sabedoria do caminho.
O que se afirma é a experiência do movimento dessa dança
que dançamos juntos,
na redoma dos nossos sonhos,
Fechados em uma elipse transbordante em sinfonias
de amor eterno.
O que vai permanecer é o delicado eco
da existência de um par sublime,
Qual cisnes que se deslocam sobre tenras e
perfumadas águas.
De um profundo lago, receptáculo de tesouros
em segredos de alegrias subentendidas,
sussurradas...
Vividas como as estações do tempo,
Ininterruptamente....

Crônica - Roniwalter Jatobá

O paulistano Marcos Rey

Todos os sábados, pontualmente ao meio-dia, ia ao seu encontro na Livraria Cultura, na Avenida Paulista. De longe, ainda seguindo pelo amplo corredor do Conjunto Nacional, avistava seus cabelos brancos. Embora fosse 25 anos mais velho, era como um irmão.

Nos últimos tempos, bebia apenas um copo de chope e, às vezes, fumava um cigarro. Riso estampado no rosto, me contava que, quando não aparecia na Cultura, no final da tarde pedia o seu cigarro semanal para a empregada, escondido de sua esposa Palma. E ria.

Sempre gostava de lembrar uma história, um frustrado lançamento de livros em Jundiaí, para o qual foram convidados seu irmão Mário Donato, ele e eu.

Era inverno. Numa velha Variant, seguimos os três para a cidade próxima a São Paulo. Chegamos ao anoitecer. Os funcionários da livraria já estavam à espera. Tudo armado na ampla praça: livros espalhados, mesa para cada autor, canetas a postos. Escureceu. As luzes se acenderam e, ao longe, víamos grupos de trabalhadores correndo para suas casas, para os pontos de ônibus, encolhidos e fugindo do frio. No final, apenas um leitor se aproximou da barraca e adquiriu um volume do autor que se escondia do vento gelado. Era dele: O enterro da cafetina. Depois, o silêncio e a noite de inverno.

Na viagem de volta, rimos muito com a nossa perseverança na literatura. Para ele, no entanto, encontrar apenas um único leitor não era motivo de tristeza. Sabia de tudo: pela vida afora, vendeu mais de cinco milhões de livros. Num país de poucos leitores, ele era rei.

Durante a semana passada, sobretudo no sábado, lembrei muito de Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Donato, falecido em 1º de abril de 1999, aos 74 anos.

-- Minhas veredas são as do asfalto e iluminadas por lâmpadas de mercúrio -- me disse um dia esse autor nascido no bairro do Brás e criado nos Campos Elíseos. -- O meu único contato com a natureza se deu quando freqüentava a extinta African Boate -- brincava.

Vivia de escrever. Com idéias, fez de tudo: propaganda (ajudou a vender, creia, o Gordini), rádio, novelas de TV e muitos livros, sobretudo infanto-juvenis. Conhecia bem São Paulo e viveu intensamente os anos 50 da explosão urbana da cidade. Por isso mesmo, certa vez lhe perguntei qual era um bom roteiro turístico de São Paulo daquela época. Não titubeou:

-- O grande dia era a sexta-feira -- relatou. -- Quando trabalhava na publicidade, só voltava na segunda. O início da badalação era no Scarabocchio, lugar de fim de tarde, onde se reuniam as mais lindas garotas de programa. Nessas saídas, ia com o meu amigo Cláudio Corimbaba, que me inspirou o romance Memórias de um gigolô. Depois, íamos ao Clube de Paris, que também regurgitava de garotas. Então, do Paris, a primeira parada era no Dom Casmurro, um lugar muito elétrico. Tinha ainda programas opcionais: ir ao Arpège, que era uma boate muito chique na Avenida São Luiz. Ficávamos até as duas da manhã e, depois, sempre dava uma passada no Nick Bar. Uma passada, uma passadinha, para ver o que estava acontecendo ali. A seguir, pegávamos as boates de fim de noite. Havia a chamada Chez Moi, na Rua Augusta; outra se chamava Chez Armand, na Rua Rego Freitas. Havia o Pierrot, um bar-boate; e o Refúgio, na Avenida 9 de Julho, freqüentado por mulheres casadas. Era o lugar mais escuro do mundo, o único lugar onde a Light não ganhava dinheiro. Já no sábado, à tarde, era aquela puta dormida. Mas, já escurecendo, a gente se encontrava nos bares da São Luiz, que eram o Mirim, o Plata e o Paribar. Também se ia muito ao Oásis, quando tinha dinheiro, ou ao African Boate, uma casa de luxo. Sempre passava no Clube dos Artistas para sentir a noite. Se tivesse uma garota especial, a levava ao Je Reviens, lá no final da Avenida Paulista.

-- E no domingo? Você não ia remar ou nadar no Tietê? -- perguntei.

-- Não, não ia. Não tinha forças para isso.

Marcos Rey foi um retratista sincero de São Paulo, a cidade que sempre amou. Por sinal, prometera um livro sobre suas memórias, precisamente sobre tipos curiosos que conhecera na noite. Era uma sugestão, me disse, do escritor João Antônio, que lhe escrevera dizendo que não se esquecesse dos chatos, porque eles davam boas histórias. Um deles, por exemplo, era histórico na vida de Marcos Rey.

-- Quando estávamos para sair da boate, às cinco da matina, ele chegava bem vestido, cheirando a sabonete -- recordava. -- Parecia que tinha saído do banho naquele momento. E ia abraçando todo mundo nas mesas e dizendo: Old friend, old night... (Velho amigo, velha noite...). Era cada abraço dolorido, afogava a gente. Durante uns cinco anos encontramos esse cara e nunca descobrimos quem ele era. Até o dia em que ele desapareceu. Aí, começamos a desconfiar que os velhos tempos, os velhos amigos, as velhas noites estavam acabando.

Conto - José Geraldo de Barros Martins

Ilustração de José Geraldo de Barros Martins
Um Mais Um Igual A Um

Jessica Camila era uma daquela mulheres que , como Machado de Assis definia : “deixava às outras o trabalho de envelhecer . Só queria o de existir” (1) . Elegantemente linda e misteriosamente refinada , vivia a lecionar história da arte em uma famosa faculdade de arquitetura na metrópole paulistana . Amante das inúmeras atividades culturais que sua cidade oferece , vivia a aconselhar seus educandos , dando dicas de exposições , filmes , shows , peças tetrais , etc … Porém , vivia frustrada … a indiferença pedante da atual geração a deixava consternada … perguntava por exemplo : -”Alguém foi na retrospectiva de John Huston que se encerrou no final de semana passado ?” … a classe respondia com um silêncio boçalmente bocejante . Porém no intervalo , no refeitório , ela reparou que os jovens discutiam animadamente sobre o que ocorria nos reality shows , nas novelas e em outras tantas coisas que nossa ilustre mocidade elege como de vital importância para a conversação diária .

Uma tarde em que mostrava um slide com o último quadro de Van Gogh ( aquele com uma estrada em meio a um campo de trigo amarelado , sob um céu azul , no qual uma revoada de corvos acrescentava um caráter tempestuoso à composição ) , ouviu uma mocinha comentar sorridente -”Estas pinceladas amarelas me lembram as batatas fritas do Mc Donald’s !!!” Gargalhadas gerais …

A nossa protagonista se retirou imediatamente do recinto , para nunca mais retornar àquele meio em que as pessoas se orgulham da ignorância …

Horas depois , em uma livraria , presenciou uma cena revoltante : um jovem , com roupas puídas , tentara sem sucesso adquirir em dez prestações , o primeiro volume das obras completas de Jorge Luis Borges … o vendedor respondeu secamente : -”Só vendemos à vista .” Ao observar o rapaz deixar a loja cabisbaixo , Jessica não titubeou , arrematou não só aquele tomo , mas os quatro volumes , e correndo alcançou-o na calçada dizendo : -”Olha , são para você , você merece !!!” … E assim começou um romance duradouro …

Já se passaram alguns anos …atualmente ela leciona na escola municipal “Dolores Duran” localizada na R. Dom Rodrigo Sanches , em um pedaço do Capão Redondo que alguns teimam em denominar Jardim das Rosas , enquanto outros chamam de Parque do Engenho … A nossa professorinha , feliz com o interesse da população de baixa renda , ensina que quando duas pessoas se amam , o resultado é a unidade : ou seja , um mais um igual a um !!! Esta teoria , elaborada pelo pintor e poeta Almada Negreiros , em sua peça teatral “Deseja-se Mulher”de 1928 , está sendo muito bem recebida pela juventude carente …

Enquanto isso sua cara-metade , agora um renomado crítico literário , garante o sustento financeiro necessário para que o casal possa freqüentar bons restaurantes e desfrutar o circuito cultural sossegadamente .

((1) do conto “Senhora” , contido no volume intitualado “Histórias Sem Data”.

Conto - José Miranda Filho

The Fly Head ~ Kazuya Akimoto
Encontro de Amigos - Parte 20

Toninho, pai de Marcos e colega de Fernandes na mocidade quando ambos estudavam em Senhor do Bonfim, morava com o tio numa casa ao lado da casa de Fernandes. Eram casas geminadas. O tio de Toninho exercia a profissão de “Mata Mosquito”, hoje designação não existente. Atualmente, segundo a nova nomenclatura, seria uma profissão como Agente de Saúde. Ele era funcionário público Estadual.

A designação de “Mata Mosquito” à época se referia ao cidadão que carregava às costas um aparelho munido de inseticida, para espalhar nas residências a fim de matar os insetos transmissores da malária e outras doenças da época.

Toninho tinha dezesseis de idade. Sua tia tinha duas filhas: Dejanira e Dinalva, moças bonitas e de corpo perfeito. Dona Mariana, mãe das meninas mantinha sobre elas uma vigilância irreparável, coisa de mãe. Toninho jamais pensou em tergiversar ou transgredir qualquer norma da casa, que viesse a lhe trazer desabonos, causar suspeita ou trair a confiança da tia. Às vezes tinha vontade de se aproximar um pouco delas, porém a vigilância e o conceito que gozava naquela residência, lhe impediam de pensar besteiras, quanto mais fazê-las. Viveu na casa do tio por dois anos, até que seus pais se mudaram definitivamente para Senhor do Bonfim. Toninho tinha uma irmã chamada Maristela, aluna interna do Educandário Nossa Senhora da Glória ou Colégio das Freiras, como era denominado naquele tempo. Estabelecimento de ensino comandado pela Congregação das Irmãs Imaculadas de Maria. Todos os sábados ele ia visitá-la. Maristela não tinha autorização dos pais para saídas esporádicas, nem nos finais de semana. Era uma verdadeira clausura.

Todos os domingos pela manhã, Toninho se dirigia ao Colégio das Freiras. T ocava o sino que existia na entrada e logo em seguida uma freira de certa idade, educada e bem simpática, portando um crucifixo com a imagem de Cristo vinha atendê-lo. Já se conheciam.

– Bom dia Senhor Antonio – Dizia sorrindo. Irmã Eleonora.

– Vieste ver Maristela? - Sim, respondia Toninho.

– Aguarde um pouco que vou chamá-la. Instantes depois os dois estavam frente a frente no parlatório.

Queriam saber dos pais, dos irmãos e demais amigos Pindobaçuenses que ainda estavam por lá. Ela se preocupava bastante com a saúde dos pais, já com idade avançada. Seu Zuza não ia bem com os negócios que se envolvia. Era mercador, engordava bois para o abate. O preço da arroba do boi não cobria os custos da engorda A seca e a falta de alimentos para os animais se transformavam numa das causas principais impeditivas para negociação. Compra e venda de insumos, grãos de mamona, ouricuri, coco, couro e pele de animais, não davam sinal de sua recuperação. O estoque que ele mantinha desses produtos era insuficiente para uma inesperada reação de preços.

Vinte minutos era o tempo permitido para o encontro dos irmãos. Toninho despedia-se da irmã e se dirigia para ao cinema, assisti a fita de Hopalong Cassidy, série de faroeste que o Cine São José exibia todos os domingos à tarde.

Às dezessete horas Toninho regressava ao colégio e se apresentava ao Irmão Pio, responsável pela disciplina, que já estava à porta do Colégio com uma tabuleta na mão, na qual constava o nome de todos os alunos que tiveram permissão de saída naquele domingo. Confirmada a volta de todos os alunos, o Irmão Pio conduzia-os à capela para fazerem uma breve oração. Em seguida se dirigiam ao refeitório para a ceia. Após um breve descanso de quinze minutos, todos se dirigiam à sala de estudos onde permaneciam até as vinte e duas horas, sempre sob a vigilância impecável do Irmão Pio, que às vezes dava seu cochilo costumeiro, mas não aceitava que nenhum aluno fizesse o mesmo, sob pena de permanecer por até dez minutos de pé. Às vinte e duas horas e trinta minutos, sob suas ordens patriarcais e autoritárias todos se recolhiam ao dormitório. Tudo era controlado e conduzido sob o silvo estridente de seu apito. Ai daquele que não escutasse ou descumprisse o seu apito.

Finalmente, após dois anos de internato, a família de Toninho se refez. Seu pai alugou uma casa grande na Rua do Comércio, em Senhor do Bonfim, e todos foram morar juntos novamente. Seu Zuza montou um pequeno frigorifico para manter a estabilidade financeira da família. Toninho, nos dias de feira, quando não estava assistindo aulas de inglês ministradas pelo Professor Matos, ajudava o pai na comercialização de carne. No final do dia, faziam o fechamento do caixa para apurar o resultado. Contava-se o dinheiro arrecadado e deduziam as despesas. O resultado apurado era o lucro do negócio. No momento da contagem do dinheiro apareciam cédulas dilaceradas que precisavam ser recuperadas. Esta função era atribuída ao Toninho, que chamava seus amigos para lhe ajudarem. Emendavam as cédulas com papel e sabão, até que se tornassem possíveis de circular novamente. Às vezes, um pedaço da nota de cinco cruzeiros eles colavam na nota de dez ou vice versa. Ninguém percebia s emendas. Não tinham noção da falsificação ou desconheciam a prática desse crime. Faziam isso por diversão, não existia a má fé.

À noite, após ter reparado as cédulas e as devolvido ao seu pai, Toninho ficava com algumas, as mais difíceis de serem aceitas, devido à má recuperação. De posse daquelas cédulas, Toninho e seus amigos iam à boate Danúbio Azul - um barzinho próximo à Rua Antônio Gonçalves, para tomar cerveja. A luz do bar era à base de lampião, e isso dificultava a leitura das notas. A luz elétrica era precária na cidade. Às dez horas da noite desligavam o gerador de energia que fornecia eletricidade para a cidade. A partir daí o barzinho voltava a ser iluminado pela luz do lampião, movido a gás, único aparelho que iluminava todo o estabelecimento, não sendo suficiente para suprir todas as necessidades do ambiente. Todos os sábados, dia em que o movimento da boate era maior, eles conseguiam burlar a vigilância dos empregados, passar as notas falsas e tomar a cervejinha que tanto apreciavam. Não tinham noção da gravidade do delito. Queriam apenas se divertir. Queriam apenas ser notados pelas garotas da boate, que os considerava filhos de ricos. Apenas isso. Era tudo o que queriam.

Certo dia o dono da boate notou algo estranho numa nota de cinco que Toninho lhe dera. Aproximou-se lentamente da luz do lampião e examinou-a detalhadamente. Verificou que a nota de cinco, continha parte de uma nota de dois. Mas, nada lhe disse. Aceitou-a, passou-lhe o troco e no dia seguinte foi ao encontro do seu pai e lhe relatou o acontecido. Como eram moços direitos, conhecidos, bem comportados e de boas famílias, apenas um sermão do pai foi o bastante para lhe refrescar a memória e abrir-lhe a consciência, tão somente com o pretexto de jamais repetir o ato. Não fosse pelo Zequinha, dono da Boate, a coisa poderia ter parado na Delegacia de Polícia. O pai pagou as despesas, recuperou a nota falsa, e tudo ficou por isso mesmo.

Tradução - Eduardo Miranda

Abraham In Promised Land ~ Andrew Bowers
Ouça Wots...uh the Deal (Roger Waters, David Gilmour - Pink Floyd)

Ah... é este o Trato
Tradução de Eduardo Miranda

O céu enviou-nos a terra prometida
Daqui donde estou parece de boa medida
Porque sou o cara olhando de fora para dentro

Espero que o primeiro passo seja suave
Mostre-me onde é guardada a chave
Ponha-me agora no caminho que é chegada a hora

De deixar-me entrar, tirar-me deste lugar friolento
Trasformar meu chumbo em ouro, num alento,
Pois em minha alma fria sopra um eterno vento
E eu acho que estou envelhecendo

Esbanje a grana
Ah... é este o trato?
Tenho que sobreviver até o próximo prato
Tente levar as coisas como esperado

Milha após milha
Tantas pedra no caminho
Você se vira para conversar, mas está sozinho
Abandonado, e longe, muito longe do seu ninho

Então deixe-me entrar, tire-me deste lugar friolento
Trasforme meu chumbo em ouro, num alento
Pois em minha alma fria sopra um eterno vento
E eu acho que estou envelhecendo

Chama bela à luz de velas
E eu ao lado dela
Poderíamos esquecer todas mazelas

Mencionaram a terra prometida em vão
Agarrei-a com as duas mãos
Agora sou o cara olhando de dentro para fora

E agora? Grito "Hey, venha cá para dentro!
Quais são as novidades? O quê anda fazendo?"
Pois em minha alma não sobrou nenhum vento
E eu, envelhecido, perdi meu momento.

Wot's...uh the Deal

Roger Waters, David Gilmour - Pink Floyd

Heaven sent the promised land
Looks alright from where I stand
Cause I'm the man on the outside looking in

Waiting on the first step
Show where the key is kept
Point me down the right line because it's time

To let me in from the cold
Turn my lead into gold
Cause there's chill wind blowing in my soul
And I think I'm growing old

Flash the readies
Wot's...uh the deal?
Got to make to the next meal
Try to keep up with the turning of the wheel.

Mile after mile
Stone after stone
Turn to speak but you're alone
Million mile from home you're on your own

So let me in from the cold
Turn my lead into gold
Cause there's chill wind blowing in my soul
And I think I'm growing old

Fire bright by candlelight
And her by my side
And if she prefers we will never stir again

Someone said the promised land
And I grabbed it with both hands
Now I'm the man on the inside looking out

Hear me shout "Come on in,
What's the news and where you been?"
Cause there's no wind left in my soul
And I've grown old.

Foreign Words - Celso de Alencar

Toque de recolher ~ Eliana Lúcio
Translated by Camila Alencar
The Touch

This is the touch.
Sibilant, clear and profound.
It´s not the one of the silence.
It´s not the one of the death.

he boys of Goiás know it.
Some laugh, some cry, others flee.
his is the only touch where hands take no action.

It´s strong.
Strong and sad.
It´s not the one of the silence.
It´s not the one of the death.

he women of Goiás know it.
Their sense of smell don´t smell
The sandalwoods, nor the arid lands.
Their eyes hardly see
The yellows of the harvest
being lashed
By the ants and the winds.

It´s strong.
Strong and sad.
It´s not the one of the silence.
It´s not the one of the death.

The men of Goiás know it.
The blindfolds covering their speech
Don´t pass through the openings.
Their boys still flee.
Their women hardly see.
Their rice has been harvested.

But the touch is persistent.
It´s not the one of the silence.
It´s not the one of the death.

[in Arco Vermelho, 1983]


O Toque

Este é o toque.
Sibilante, claro e profundo.
Não é o do silêncio.
Não é o da morte.

Os meninos de Goiás conhecem.
Uns riem, uns choram, outros fogem.
É o único toque em que as mãos não agem.

É forte.
Forte e triste.
Não é o do silêncio.
Não é o da morte.

As mulheres de Goiás conhecem.
Seus olfatos não sentem mais
os sândalos, nem os agrestes.
Seus olhos mal veem
os amarelos da safra
serem açoitados
pelas formigas e pelos ventos.

É forte.
Forte e triste.
Não é o do silêncio.
Não é o da morte.

Os homens de Goiás conhecem.
As vendas que tapam suas falas
não passam pelas frestas.
Seus meninos ainda fogem.
Suas mulheres mal veem.
Seu arroz foi colhido.

Mas o toque é persistente.
Não é o do silêncio.
Não é o da morte.


[in Arco Vermelho, 1983]

Releitura - Ferreira Gullar

Watercolour by Tara Chklovski
Homem Comum

Sou um homem comum
          de carne e de memória
          de osso e esquecimento.
e a vida sopra dentro de mim
          pânica
          feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
          cessar.

Sou como você
          feito de coisas lembradas
          e esquecidas
          rostos e
          mãos, o quarda-sol vermelho ao meio-dia
          em Pastos-Bons
          defuntas alegrias flores passarinhos
          facho de tarde luminosa
          nomes que já nem sei
          bandejas bandeiras bananeiras
                          tudo
          misturado
                essa lenha perfumada
          que se acende
          e me faz caminhar
Sou um homem comum
          brasileiro, maior, casado, reservista,
          e não vejo na vida, amigo,
          nenhum sentido, senão
          lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
          Quero, por isso, falar com você,
          de homem para homem,
          apoiar-me em você
          oferecer-lhe o meu braço
                que o tempo é pouco
                e o latifúndio está aí, matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
          Homem comum, igual
          a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
          A sombra do latifúndio
          mancha a paisagem
          turva as águas do mar
          e a infância nos volta
          à boca, amarga,
          suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens
          comuns
          e podemos formar uma muralha
          com nossos corpos de sonho e margaridas.

(Brasília, 1963)

Ilustração - Orlando Teruz

Futebol, 1965

Passeio na Favela, 1972

Cabra-Cega, 1975

Lavadeiras Na Favela, 1972

Futebol, 1983
Futebol, 1983

Artigo - Cesar Cruz

Spoken in a Different Language ~ Bobbie Burgers
Meu Interesse pelo Português

Antes que algum amigo gozador venha me acusar de estar apaixonado pelo dono da padaria, advirto: este é um artigo sobre a Língua Portuguesa, que suponho que será de pouco atrativo para quem não se interessa pelo assunto, mas que oferecerá garantidas risadas (e um bom aprendizado) para quem o ler até o fim.

Desde que comecei a escrever, há uns 10 anos, me vi encurralado e coibido. Por ninguém em especial, mas por uma percepção: eu precisaria aprender mais da Língua Portuguesa. Aprender não só para evitar o vexame de escrever errado, ou compor textos anacrônicos e de estrutura desarticulada, mas também para fazer mais claras e eficazes as minhas mal traçadas.

Quem lê e escreve bastante, ainda que desconheça as regras da língua, por mera absorção, percepção e sensibilidade vai, gradualmente, escrevendo cada vez melhor e cometendo menos erros. É um fenômeno interessante, esse. E aconteceu comigo.

É claro que também contei, ao longo do tempo, com a ajuda de amigos que fui fazendo no mundo das letras, gente com conhecimento maior que o meu, pessoas que me ensinaram e me ensinam muito ainda. O amigo e escritor Gabriel Fernandes que o diga.

Percepção, sensibilidade e apoio de amigos mais sabidos são ferramentas ótimas para se evoluir no conhecimento da língua, mas que levam você só até um certo limite, limite que de repente eu me vi precisando ultrapassar, já que em dado momento eu estava me arvorando a corrigir textos de amigos e familiares, que começavam a me pedir uma "forcinha na revisão".

Fui estudar Letras. Não só. Mergulhei também, por conta própria, no estudo do idioma. De nariz enfiado nos livros dos melhores autores modernos (já que é pra aprender, busquemos nas melhores fontes), venho estudando, diligentemente, dia após dia.

E assim o Português, a última flor do Lácio, inculta e bela, como disse Olavo Bilac, virou uma paixão na minha vida. O professor Cláudio Moreno, de quem sou fã (protagonista deste artigo, como se verá adiante), diz que "a delicada tapeçaria da Língua Portuguesa subitamente começa a tomar forma para você". Verdade! Coisas que eram intrincados mistérios, hoje compreendo com clareza; mas ainda há muito o que aprender...

Contudo, sempre que a gente começa a aprender alguma coisa a fundo, vai se dando conta de que há impostores disfarçados de especialistas infiltrados no meio. Gente que, logo se percebe, deveria estar estudando, quietinha e modesta, já que detém, quando muito, conhecimento superficial; mas está se metendo a ensinar e corrigir os outros, com dedo em riste, verdadeiros fiscais. Uma semelhança entre a língua portuguesa e a religião talvez seja justamente essa: ambas são ópio para algumas pessoas.

Dentre os pseudoespecialistas-fiscais, há uns ainda mais radicais, definitivamente arbitrários, ferrenhos defensores de uma certa língua dita culta, que repudia as diversas variações do Português e da linguagem usadas no nosso país, tão grande e tão diversificado. Para mim, essa ideia de que alguém é capaz de defender a variação culta do idioma (como se não for ele a fazê-lo, o idioma será destruído) me soa ufanista. Esses defensores dessa suposta sã doutrina linguística nada mais são do que radicais e fundamentalistas, quase religiosos, gladiadores de uma guerra inexistente, com inimigos imaginários, inventada por eles próprios. E o mais curioso é que desse grupo de pessoas não fazem parte os verdadeiros conhecedores do assunto, que em geral são moderados, maleáveis e dados ao diálogo — como são todos os verdadeiros conhecedores.

Para encurtar, encerro deixando abaixo um hiperlink que levará o leitor ao site do professor doutor Cláudio Moreno, de quem sou fã, como já dito acima, mas não expliquei o porquê. Explico agora: Cláudio Moreno é de uma geração depois da de Celso Pedro Luft, Celso Cunha, Antônio Houaiss, Evanildo Bechara e outros grão-mestres da Língua Portuguesa, mas está adiante, em tempo de cátedra, na qualificação acadêmica e nos anos de formado, de conhecidos professores, como Sérgio Nogueira (aquele da Globo), o já há muito famoso professor Pasquale, entre tantos outros, gente que, junto com Moreno, vem, há décadas, labutando no ofício do rude e doloroso idioma — olha o Bilac aí de novo.

Na minha modesta opinião, opinião de aprendiz diário desta que o poeta chamou de esplendor e sepultura, Cláudio Moreno é melhor que todos os outros. Moreno detém um sólido e profundo conhecimento da língua, de suas origens, das obras dos escritores clássicos e um claro panorama da evolução do Português ao longo dos séculos. Além disso, tem ele a peculiar e excepcional capacidade de mesclar conhecimento técnico e cultura linguística a humor, ironia e sensibilidade, o que deixa seus textos atraentes e gostosos de ler. Seus livros (tenho todos) ensinam e ao mesmo tempo matam a gente de rir. Recomendo-os fortemente para quem quer aprender a língua de fonte seguríssima.

Segue o hiperlink mencionado. Nele o professor responde, de forma elegante, apimentada na fina ironia, como ninguém mais seria capaz de fazê-lo, a uma carta nada gentil de uma dessas "especialistas da superfície", que parece integrar o grupo dos mais realistas que o rei, dispostos a matar em defesa de seus estranhos e inconsistentes dogmas. Radical e incisiva, essa ainda teve a petulância de não só confrontar, mas também ofender um professor com mais de 45 anos de Língua Portuguesa no currículo.

Depois do excepcional sabão que levou, a nossa mocinha aí da carta deve ter se mudado para Quixeramobim, como diria o Chico Buarque.

Aprenda e morra de rir lendo "Por" para indicar autoria.

Vídeo - The Yes Men

The Yes Men é um grupo que usa todos os meios necessários para se infiltrarem nas entranhas dos altos escalões do poder e do comércio. Uma vez lá, sabotam e contrabandeiam informações em suas aventuras, para oferecer ao público uma idéia do que acontece "entre quatro paredes" de uma grande negociação. Seu principal objetivo é chamar a atenção para os perigos de políticas econômicas que colocam os direitos do capital antes as necessidades das pessoas e do meio ambiente.

As histórias são muitas vezes chocante e engraçadas... Eles já personificaram executivos de grandes organizações, tais como a Organização Mundial do Comércio e a Dow Chemical Corporation. Também se passaram por porta-vozes do governo Bush na TV e em várias conferências de negócios mundo afora. Fazem isso a fim de demonstrar alguns dos mecanismos que mantêm pessoas e idéias ruins no poder, e também simplesmente por ser divertido - embora perigoso.

Soa como um protesto feito com a razão ao invés da emoção...(em inglês)