Conto - José Miranda Filho

The Fly Head ~ Kazuya Akimoto
Encontro de Amigos - Parte 20

Toninho, pai de Marcos e colega de Fernandes na mocidade quando ambos estudavam em Senhor do Bonfim, morava com o tio numa casa ao lado da casa de Fernandes. Eram casas geminadas. O tio de Toninho exercia a profissão de “Mata Mosquito”, hoje designação não existente. Atualmente, segundo a nova nomenclatura, seria uma profissão como Agente de Saúde. Ele era funcionário público Estadual.

A designação de “Mata Mosquito” à época se referia ao cidadão que carregava às costas um aparelho munido de inseticida, para espalhar nas residências a fim de matar os insetos transmissores da malária e outras doenças da época.

Toninho tinha dezesseis de idade. Sua tia tinha duas filhas: Dejanira e Dinalva, moças bonitas e de corpo perfeito. Dona Mariana, mãe das meninas mantinha sobre elas uma vigilância irreparável, coisa de mãe. Toninho jamais pensou em tergiversar ou transgredir qualquer norma da casa, que viesse a lhe trazer desabonos, causar suspeita ou trair a confiança da tia. Às vezes tinha vontade de se aproximar um pouco delas, porém a vigilância e o conceito que gozava naquela residência, lhe impediam de pensar besteiras, quanto mais fazê-las. Viveu na casa do tio por dois anos, até que seus pais se mudaram definitivamente para Senhor do Bonfim. Toninho tinha uma irmã chamada Maristela, aluna interna do Educandário Nossa Senhora da Glória ou Colégio das Freiras, como era denominado naquele tempo. Estabelecimento de ensino comandado pela Congregação das Irmãs Imaculadas de Maria. Todos os sábados ele ia visitá-la. Maristela não tinha autorização dos pais para saídas esporádicas, nem nos finais de semana. Era uma verdadeira clausura.

Todos os domingos pela manhã, Toninho se dirigia ao Colégio das Freiras. T ocava o sino que existia na entrada e logo em seguida uma freira de certa idade, educada e bem simpática, portando um crucifixo com a imagem de Cristo vinha atendê-lo. Já se conheciam.

– Bom dia Senhor Antonio – Dizia sorrindo. Irmã Eleonora.

– Vieste ver Maristela? - Sim, respondia Toninho.

– Aguarde um pouco que vou chamá-la. Instantes depois os dois estavam frente a frente no parlatório.

Queriam saber dos pais, dos irmãos e demais amigos Pindobaçuenses que ainda estavam por lá. Ela se preocupava bastante com a saúde dos pais, já com idade avançada. Seu Zuza não ia bem com os negócios que se envolvia. Era mercador, engordava bois para o abate. O preço da arroba do boi não cobria os custos da engorda A seca e a falta de alimentos para os animais se transformavam numa das causas principais impeditivas para negociação. Compra e venda de insumos, grãos de mamona, ouricuri, coco, couro e pele de animais, não davam sinal de sua recuperação. O estoque que ele mantinha desses produtos era insuficiente para uma inesperada reação de preços.

Vinte minutos era o tempo permitido para o encontro dos irmãos. Toninho despedia-se da irmã e se dirigia para ao cinema, assisti a fita de Hopalong Cassidy, série de faroeste que o Cine São José exibia todos os domingos à tarde.

Às dezessete horas Toninho regressava ao colégio e se apresentava ao Irmão Pio, responsável pela disciplina, que já estava à porta do Colégio com uma tabuleta na mão, na qual constava o nome de todos os alunos que tiveram permissão de saída naquele domingo. Confirmada a volta de todos os alunos, o Irmão Pio conduzia-os à capela para fazerem uma breve oração. Em seguida se dirigiam ao refeitório para a ceia. Após um breve descanso de quinze minutos, todos se dirigiam à sala de estudos onde permaneciam até as vinte e duas horas, sempre sob a vigilância impecável do Irmão Pio, que às vezes dava seu cochilo costumeiro, mas não aceitava que nenhum aluno fizesse o mesmo, sob pena de permanecer por até dez minutos de pé. Às vinte e duas horas e trinta minutos, sob suas ordens patriarcais e autoritárias todos se recolhiam ao dormitório. Tudo era controlado e conduzido sob o silvo estridente de seu apito. Ai daquele que não escutasse ou descumprisse o seu apito.

Finalmente, após dois anos de internato, a família de Toninho se refez. Seu pai alugou uma casa grande na Rua do Comércio, em Senhor do Bonfim, e todos foram morar juntos novamente. Seu Zuza montou um pequeno frigorifico para manter a estabilidade financeira da família. Toninho, nos dias de feira, quando não estava assistindo aulas de inglês ministradas pelo Professor Matos, ajudava o pai na comercialização de carne. No final do dia, faziam o fechamento do caixa para apurar o resultado. Contava-se o dinheiro arrecadado e deduziam as despesas. O resultado apurado era o lucro do negócio. No momento da contagem do dinheiro apareciam cédulas dilaceradas que precisavam ser recuperadas. Esta função era atribuída ao Toninho, que chamava seus amigos para lhe ajudarem. Emendavam as cédulas com papel e sabão, até que se tornassem possíveis de circular novamente. Às vezes, um pedaço da nota de cinco cruzeiros eles colavam na nota de dez ou vice versa. Ninguém percebia s emendas. Não tinham noção da falsificação ou desconheciam a prática desse crime. Faziam isso por diversão, não existia a má fé.

À noite, após ter reparado as cédulas e as devolvido ao seu pai, Toninho ficava com algumas, as mais difíceis de serem aceitas, devido à má recuperação. De posse daquelas cédulas, Toninho e seus amigos iam à boate Danúbio Azul - um barzinho próximo à Rua Antônio Gonçalves, para tomar cerveja. A luz do bar era à base de lampião, e isso dificultava a leitura das notas. A luz elétrica era precária na cidade. Às dez horas da noite desligavam o gerador de energia que fornecia eletricidade para a cidade. A partir daí o barzinho voltava a ser iluminado pela luz do lampião, movido a gás, único aparelho que iluminava todo o estabelecimento, não sendo suficiente para suprir todas as necessidades do ambiente. Todos os sábados, dia em que o movimento da boate era maior, eles conseguiam burlar a vigilância dos empregados, passar as notas falsas e tomar a cervejinha que tanto apreciavam. Não tinham noção da gravidade do delito. Queriam apenas se divertir. Queriam apenas ser notados pelas garotas da boate, que os considerava filhos de ricos. Apenas isso. Era tudo o que queriam.

Certo dia o dono da boate notou algo estranho numa nota de cinco que Toninho lhe dera. Aproximou-se lentamente da luz do lampião e examinou-a detalhadamente. Verificou que a nota de cinco, continha parte de uma nota de dois. Mas, nada lhe disse. Aceitou-a, passou-lhe o troco e no dia seguinte foi ao encontro do seu pai e lhe relatou o acontecido. Como eram moços direitos, conhecidos, bem comportados e de boas famílias, apenas um sermão do pai foi o bastante para lhe refrescar a memória e abrir-lhe a consciência, tão somente com o pretexto de jamais repetir o ato. Não fosse pelo Zequinha, dono da Boate, a coisa poderia ter parado na Delegacia de Polícia. O pai pagou as despesas, recuperou a nota falsa, e tudo ficou por isso mesmo.